sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Elias o Filósofo



Segundo ele, nasceu em Trás-os-Montes, onde aprendeu a contar com os dedos e ler os grandes títulos dos jornais que enfeitavam as cozinhas daquela época. Graças a um ferroviário que casou com a moça mais linda do povo, conseguiu que este lhe ensinasse a juntar as letras para aprender a ler e, se possível a escrever.
O pobre ferroviário nem sequer conseguia um momento libre para jogar uma partida de cartas, porque muito antes de chegar à taberna já Elias o estava esperando com um jornal velho debaixo do braço para uma explicação que por si só não conseguia perceber. Num curto espaço de tempo, não havia na região quem soubesse ler o jornal como ele. Até a página de necrologia não escapava aos olhos do leitor. Todo o povo o respeitava e todo o povo lhe pedia não só para ler as cartas que chegavam como para dar respostas às mesmas.
Este tipo de pessoas são adoradas por uns e odiadas por outros, porque o seu protagonismo põe em causa a principal figura da Casa Grande, única fonte de soberania e portando de sobrevivência. Um dia Elias teve a infelicidade de dizer: --todos nós, não somos mais que uns escravos, mas o que não sei dizer é, se tal escravidão é dirigida por Deus ou pelo amo! Sendo Deus o criador de todas as coisas, como pode ser possível de cometer tais barbaridades de escravizar todo um povo, a trabalhar desde que sai o sol, até que desaparece para alimentar uma única Casa!..  
Nesse mesmo dia, Elias foi apodado o Filósofo, tachado de louco e comparado com um tal Zaratustra que tinha fugido para o alto de uma montanha sem ninguém saber o seu paradeiro. Assim, Elias foi obrigado a abandonar o povo com uma simples manta e um pau para defender-se de algum animal bravio. Nunca tinha ouvido falar de Zaratustra e ao compararem-no a ele, alguma coisa haverá em comum! Duvidoso e pensativo meteu pés a caminho sem descartar de um dia encontrar dito Zaratustra. As distâncias de um povo a outro cada dia se tornavam mais insuportáveis, a fome e a sede debilitavam-no de tal ordem que apenas podia caminhar.  
Antes de chegar a um povo qualquer, já tinha engendrado um discurso, sempre com a frase em comum de dizer: - foi expulso da minha terra natal por aprender a ler e a escrever. A continuação era contar as calamidades que se iam amontoando no seu espirito, como se fosse a própria lepra sem nunca ter feito nada de anormal, exceto de aprender a ler e escrever. As amáveis mulheres que lhe davam de comer depois do discurso não só, conseguiram a sobrevivência de Elias como também, a sentir-se aliviado ao dar-se conta que cada discurso que dava a multidão era maior e toda ela o aplaudia com palmas.
Estes aplausos vindos de uma pobre gente, cheia de sacrifícios. Compartindo a comida, quando a mesma nem sequer chegava para alimentar as suas famílias. Estas ações são dignas de uma reflexão profunda para melhor compreender as causas desta desigualdade existente num mundo de Deus! Esta pobre gente sem o saber, reduziram o espírito de Elias a um ser insignificante. Segundo Deus pensava ele, todos nós somos iguais, mas como o demonstra a realidade, a distância entre humanos, ultrapassam os extremos em sentidos diferentes. Por um lado morrem de fome por não terem nada para comer, por outro lado, morrem de uma indigestibilidade por comerem em demasia.
Uns morrerem de fome, outros de fartura; aqui há qualquer coisa que está fora dos limites da lógica. Aanalisando em profundidade este comportamento humano, nos damos perfeitamente conta, que o que morreu indigesto cometeu dois crimes, o primeiro foi ter comido a ração que não lhe pertencia, segundo foi comer até morrer. Intrigado por estes factos anormais Elias encontrou-se numa situação impossível de compreender, é normal que o Glutão que come o que não é dele, para que outros não possam comer seja acusado de dois crimes, mas o que não é de Direito e muito menos de Justiça é morrer de fome? Como é possível que Deus tenha criado um Sol para iluminar e aquecer todo o mundo e que haja alguém a morrer de frio? Onde está a justiça divina?
Estes acontecimentos quotidianos, deixaram Elias num impasse de poder andar de povo em povo com os seus discursos, sem ter a certeza se o que diz é verdade? Esta interrogação a ele próprio deixou-o fora de combate, decidindo assim, em vez de discursar ir à procura de Zaratustra para ver se entre os dois conseguem encontrar a solução de acabar com os Glutões

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